domingo, 29 de setembro de 2013

OS GRILOS - Mario Quintana

Os grilos abrem frinchas no silêncio.
Os grilos trincam as vidraças negras da noite.
E o silêncio das vastas solidões noturnas
é uma rede tecida de cricrilos...  Mas
impossível que haja tantos grilos no mundo,
pensa o Doutor...  Sim, talvez seja um problema do labirinto,
retruco, telepático. Mas eu só acredito no que está nos meus poemas,
doutor...  Meus poemas é que são os meus sentidos
e não esses, tão poucos, que se contam pelos dedos
e não passam de um único bicho estropiado de cinco patas,
com que mal pode se locomover.
Chego ao fim da consulta como chego ao fim deste soneto.
Fecha-se a porta do poema e saio para a rua:
...  um pobre bicho perdido, perdido ...

sábado, 8 de maio de 2010

Florir - Emily Dickinson

Florir - é um Fim - casualmente
Vendo uma Flor no campo
Talvez sequer alguém perceba
A sutil Circunstância

Que há na Lúcida Tarefa
A tal custo cumprida
Para se abrir qual Borboleta
Ao Sol do meio-dia -

Encher Botão - evitar Bicho -
O Orvalho obter bem cedo -
Expor-se à Luz - fugir ao Vento -
Precaver-se da Abelha

E não frustrar a Natureza
Que nesse Dia a aguarda -
Ser uma flor é uma profunda
Responsabilidade -

(de Alguns Poemas - Iluminuras - Tradução de José Lira)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

II - Por Guilherme de Almeida - Messidor

Eu não sei quem tu és. Sonhei-te linda,
amei-te em sonho e vivo neste sonho.
Para encontrar-te, numa dor infinda,
pus-me a caminho, pálido e tristonho.

Tu não sabes quem sou. Sonhas-me ainda
a alma triste dos versos que componho.
E, suspirando pela minha vinda,
pulsa, em teu peito, o coração risonho.

Sonhamos. Quando, um dia, eu for velhinho,
hei de encontrar-te, velha, no caminho...
E juntos, cambaleando, aos solavancos,

nós levaremos, pela tarde calma,
toda uma primavera dentro da alma,
todo um inverno de cabelos brancos...

sábado, 26 de dezembro de 2009

poema de Orlando da Costa

Trago nas mãos o calor
Que deponho a cada instante
No teu rosto que aspira a primavera que se pisa no chão
E espera o outono das folhas e dos caminhos
E desce comigo ao sabor
Que à terra dá cada breve estação

Trago-te o calor e as mãos inteiras
E nos olhos o horizonte dos nevoeiros no enredo das
florestas
Das vinhas colhidas pêlos amantes reunidos à beira
das manhãs
E dos barcos e das pombas em planícies sem trincheiras

Trago para nós a largura das terras e do mar
Onde se perpetue o amor dos homens
Na paz de cada olhar.

fonte: Poesia dos dias úteis

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Entre o luar e a folhagem - Fernando Pessoa

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Tênue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.
Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz ?
O que sou dele a quem sorri ?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O martírio do artista - Augusto dos Anjos

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a idéa! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à mingua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!

sábado, 12 de dezembro de 2009

As estrelas - Olavo Bilac

Desenrola-se a sombra no regaço
Da morna tarde, no esmaiado anil;
Dorme, no ofego do calor febril,
A natureza, mole de cansaço.

Vagarosas estrelas! passo a passo,
O aprisco desertando, às mil e às mil,
Vindes do ignoto seio do redil
Num compacto rebanho, e encheis o espaço...

E, enquanto, lentas, sobre a paz terrena,
Vos tresmalhais tremulamente a flux,
- Uma divina música serena

Desce rolando pela vossa luz:
Cuida-se ouvir, ovelhas de ouro! a avena
Do invisível pastor que vos conduz...